quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A história de Pedro, Leonardo e o pai

Contam que havia um pai com dois filhos: Leonardo e Pedro.

Desde cedo, ficou claro que havia um problema no relacionamento da família. Dizem que Pedro só comia porque alguns vizinhos lhe davam de comer. O pai mesmo, nunca se preocupou. Suas atenções estavam todas voltadas para Leonardo.

Pedro nunca ganhou uma roupa do pai. Todas que vestia eram doadas por quem se compadecia de sua situação. Por outro lado, Leonardo sempre usou roupas boas, capazes de fazê-lo sentir quente e confortável.

Quando perguntavam para o pai o motivo de deixar Pedro passar fome e frio, ele explicava que o tinha gerado para sofrer. Esse era seu destino. Já não era o caso de Leonardo: esse fora gerado para ser feliz.

Leonardo e Pedro cresciam. Leonardo sempre bem vestido e alimentado, enquanto Pedro amargava sua existência.

Certo dia, Leonardo disse para o pai:

- Pai, estou com fome.

- Poxa meu filho, vamos resolver isso agora mesmo! – respondeu o pai.

Foram até um restaurante onde Leonardo matou aquilo que o estava matando.

Na noite do mesmo dia, Pedro foi até o pai:

- Pai, estou com fome.

- Pedro, sinto muito. Gastei tudo o que tinha com o seu irmão – respondeu o pai, sem olhar o filho nos olhos.

Pedro foi dormir com fome.

Naquela mesma semana, numa conversa com o pai, Leonardo disse:

- Pai, preciso de um tênis novo.

- Claro! Vamos até o shopping comprar um e resolver esse problema – retrucou o pai, entusiasmado em presentear o filho.

Assim, foram no shopping e compraram um lindo par.

No mesmo dia, Pedro se dirigiu ao pai:

- Pai, ainda estou com fome. Faz quase uma semana que não como nada.

- Pedro, hoje usei meu dinheiro guardado para comprar um tênis para o seu irmão. Você terá que esperar mais um pouco para comer – respondeu o pai, que jogava bafo com Leonardo.

Mais uma vez, Pedro foi dormir com fome. Por sorte, no dia seguinte encontrou uma vizinha octogenária que lhe deu um prato de sopa.

Era assim que a vida da família de se desenrolava. Todos do bairro conheciam o relacionamento deles. Uns achavam estranho, pois Pedro era rejeitado pelo pai, que não dava a mínima para as suas necessidades básicas. Outros achavam normal, pois Pedro havia sido gerado para sofrer, portanto, seu destino estava se cumprindo.

Leonardo entrou na faculdade, enquanto Pedro nem terminou o primário. Ele não conseguia acompanhar as atividades da escola, pois vivia desnutrido.

Desistiu também de pedir comida ao pai, pois nunca tinha obtido sucesso, e, na última vez, o pai simplesmente o ignorou.

Pedro já não comia há quase um mês. Suas forças estavam acabando, tinha dificuldade até para manter os olhos abertos. Ouvindo o pai conversar com Leonardo enquanto assistiam televisão juntos, Pedro ouviu a conversa:

- Pai, estou precisando de um carro para ir até a faculdade. Os ônibus estão sempre cheios, e o metrô mais perto de casa fica a 3 Km daqui!

- Léo, fique em paz. Amanhã mesmo compraremos o seu carro. Você não terá mais transtorno para se locomover – respondeu o pai, sorrindo para o filho.

Naquela mesma noite, Pedro fugiu de casa, se arrastando pelo chão, debaixo dos olhos do pai, que parecia não notá-lo. Engatinhou por apenas alguns quilômetros até morrer. Seu corpo não suportou a falta de comida e se entregou.

No enterro, o pai não derramou uma lágrima. Num determinado momento, pediu a palavra:

- Pedro nasceu para sofrer. Foi para isso que o gerei. A sua miséria já estava determinada. Contudo, vejam o Leonardo: esse nasceu para vencer. O gerei para fazê-lo vitorioso.

Leonardo, convencido pelo discurso do pai, sorria, orgulhoso, com olhar de superioridade.

Alguns poucos repudiaram aquela família, mas, estranhamente, muitos outros passaram a adorá-la.

Os que adoraram, a partir daquele dia, passaram a chamar aquele pai de Deus. Passaram a acreditar que Leonardo fora eleito para salvação. Em contrapartida, passaram a acreditar que Pedro fora eleito para a danação.

Depois de algum tempo, começaram a dizer Leonardo tinha o favor do pai porque lhe oferecia sacrifícios, favores, e coisas afins, enquanto Pedro nunca havia lhe oferecido nada. A questão girava em torno do ego de Deus. Para outros, a questão era a determinação a priori de Deus a respeito do destino de seus filhos.

Muitas teorias surgiram para explicar essa história – que nunca foi bem contada. O que se sabe é que todos queriam ser Leonardo. Assim, agiam com superioridade e orgulho – se julgavam eleitos.

Pedro se tornou um assunto obsoleto, indesejado, incômodo. Ninguém queria pensar sobre como Deus o tratava ou porque o havia gerado. A questão toda era a respeito de Leonardo e seu sucesso.

Há quem acredite nessa história sobre Deus pai. Até hoje falam sobre ele, que gera uns para a salvação e outros para a danação. Que dá a um filho tudo do bom e do melhor, e simplesmente ignora a miséria do outro. Fazem orações dia e noite para que ele, o pai, os trate como tratou Leonardo – porque ninguém quer ser Pedro.

Mas alguns, como eu, não acreditam. Não aceitam a existência de um Deus pai impassível, que trata seus filhos de forma arbitrária. Pensamos que é uma falácia criada por seres humanos sem coração.

Lucas Lujan - Jovens Betesdas On
http://jovensbetesdaon.com/a-historia-de-pedro-leonardo-e-o-pai/

terça-feira, 20 de abril de 2010

Jornada Espiritual

Todos nós, quando decidimos seguir a Jesus, nos dispomos a entrar numa jornada espiritual. Como ponto de partida dessa jornada estabelecemos algumas bases, ou princípios. Por exemplo, a própria fé em Jesus. Essa é a base fundamental da jornada espiritual que estamos envolvidos. Em outras palavras, nossa jornada espiritual existe porque cremos que Jesus é o filho de Deus, o próprio Deus encarnado.

Toda jornada é dinâmica. Não estamos parados, mas em movimento, em percurso. No caso da espiritualidade, o movimento se chama expansão da consciência, ou expansão do horizonte de compreensão. A Bíblia usa a expressão metanóia para explicar esse movimento.

Acredito que a metanóia seja um encontro, uma parceria, entre a disposição humana e a ação do Espírito Santo.

Por exemplo, num primeiro momento da nossa espiritualidade cremos que Jesus é o próprio Deus encarnado. Como estamos em jornada, essa compreensão certamente terá desdobramentos, se expandirá: por crer no Verbo Encarnado, nossa fé deixa de ser teocêntrica e passa a ser cristocêntrica. Em outras palavras, toda compreensão que temos de Deus deve passar primeiro por Jesus, pois cremos que ele é o próprio Deus. Ou seja, tudo que se pensa sobre Deus deve se parecer com Jesus de Nazaré, ou então não é o nosso Deus.

Esse movimento é a metanóia. A expansão da consciência. Expansão do nível de compreensão.

Essa jornada faz parte da tradição cristã, testemunhada primeiramente pelos próprios discípulos de Jesus. Paulo, por exemplo. Um fariseu assassino de seguidores de Jesus. Em certo ponto de sua jornada, ele sofre uma metanóia e deixa de persegui-los. Não só isso, passa a liderá-los. Como judeu fariseu, guardador da Lei de Moisés, era de se esperar que ele comungasse da opinião de Tiago e Pedro: a mensagem de Jesus é só para os Judeus, nação eleita de Jeová. Contudo, Paulo tem uma nova metanóia em sua jornada: a pregação do Evangelho para todos. É por causa desse novo horizonte de compreensão que se abriu para Paulo que temos a oportunidade de seguir Jesus, pois ele foi o evangelizador dos gentios (não judeus).

Uma outra metanóia ocorrida na jornada de Paulo foi o rompimento com a tradição judaica, como guardar o sábado e a circuncisão. Para ele, ser seguidor de Jesus não era ser judeu, era fazer parte de um novo tipo de humanidade. Essa nova compreensão gerou uma briga entre ele e os apóstolos da igreja de Jerusalém, entre eles Tiago e Pedro. Era inadmissível para Pedro e Tiago o rompimento com o judaísmo. Mas Paulo tinha ampliado seu horizonte de compreensão sobre a mensagem de Jesus: Israel, nas palavras de Jesus, não era uma nação literalmente, mas sim uma metáfora sobre o novo tipo de humanidade a partir de sua ressurreição.

Essa nova compreensão também acontece, um pouco mais adiante, na vida de Pedro. Pedro seguia rigidamente a tradição judaica, e era contra a pregação do Evangelho aos gentios. Contudo, ele tem uma experiência que expande sua compreensão, uma metanóia, relatada em Atos 10:9-48: têm uma visão de animais quadrúpedes, répteis e aves consideradas impuras na tradição judaica, e ouve uma voz mandando-o matá-las e comê-las. Ele se nega, alegando que nunca havia comido algo impuro ou imundo. Então a voz lhe responde dizendo que ele não deve considerar impuro o que Deus purificou. Essa visão é uma metáfora, evidentemente. Ela significava que Pedro não deveria considerar os gentios impuros, pois Deus os havia purificado.

Ele sofre uma metanóia, uma expansão do seu horizonte de reflexão.

Poderiam ser relatadas muitas outras experiências de pessoas da tradição cristã, mas não são necessárias. Os exemplos descritos bastam para nos mostrar como a fé e a espiritualidade cristã são dinâmicas. Reconhecer que estamos sempre caminhando em direção a metanóia, ou seja, a uma expansão da nossa compreensão, não é sinal de soberba, e sim de humildade, pois existe muito mais para se aprender e compreender sobre Jesus e seu Reino. Uma espiritualidade que não caminha em direção a expansão da consciência, em direção à ampliação do horizonte de reflexão, está estagnada, doente.

Todo princípio que sustenta a nossa fé e espiritualidade tem como desdobramento o alargamento da compreensão desse princípio, a partir do advento de uma nova compreensão acerca das muitas realidades que se apresentam para nós. Por exemplo, cremos que Jesus é o nosso salvador. Mas a partir do advento de uma nova compreensão sobre a realidade, que se desvela para nós quando fazemos nossas leituras da vida, enxergamos que a salvação que Jesus nos trouxe tem conseqüências para toda a vida humana e não humana. Como podemos pensar em salvação da humanidade se não pensamos em salvação do meio ambiente? Não podemos, precisamos inserir o meio ambiente em nossa teologia da salvação. Ou seja, nosso horizonte de compreensão sobre salvação foi expandido, ampliado, sofreu metanóia. Ainda bem, pois assim sabemos que estamos caminhando, não estagnados. Essa compreensão nada tem a ver com soberba, mas sim com o reconhecimento de que há mais sobre a idéia de salvação que Jesus propôs, que ela mesma é dinâmica e viva, e cabe a nós compreendê-la e traduzi-la com relevância para nós e para as pessoas do nosso tempo.

Ampliar o horizonte de reflexão não significa que agora somos melhores do que os outros. Vejam o que Paulo escreveu aos Romanos, capítulo 14:

Aceitem o que é fraco na fé, sem discutir assuntos controvertidos. Um crê que pode comer de tudo; já outro, cuja fé é fraca, come apenas alimentos vegetais. Aquele que come de tudo não deve desprezar o que não come, e aquele que não come de tudo não deve condenar aquele que come, pois Deus o aceitou. Quem é você para julgar o servo alheio? É para o seu senhor que ele está em pé ou cai. E ficará em pé, pois o Senhor é capaz de o sustentar. Há quem considere um dia mais sagrado que outro, há quem considere iguais todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente. Aquele que considera um dia como especial, para o Senhor assim o faz. Aquele que come carne, come para o Senhor, pois dá graças a Deus; e aquele que se abstém, para o Senhor se abstém, e dá graças a Deus. Pois nenhum de nós vive apenas para si, e nenhum de nós morre apenas para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. Por esta razão Cristo morreu e voltou a viver, para ser Senhor de vivos e de mortos...

Versículo 14 - Como alguém que está no Senhor Jesus, tenho plena convicção de que nenhum alimento é por si mesmo impuro, a não ser para quem assim o considere; para ele é impuro.

Paulo tinha como princípio de fé que nenhum alimento é impuro, mas sabia que existiam pessoas que consideravam alguns alimentos impuros. Ele se achava melhor, ou “na frente” desses? Não. Apenas sabia que seu horizonte de compreensão era outro. E devia respeitar os que pensavam o contrário dele. O respeito e a tolerância são princípios de humildade, pois reconhecem que outros podem pensar de outra forma, sem necessidade de nenhum juízo de valor.

É lindo o artigo primeiro da Declaração de Princípios sobre a Tolerância, da ONU:

Artigo 1º - Significado da tolerância

1.4 Em consonância ao respeito dos direitos humanos, praticar a tolerância não significa tolerar a injustiça social, nem renunciar às próprias convicções, nem fazer concessões a respeito. A prática da tolerância significa que toda pessoa tem a livre escolha de suas convicções e aceita que o outro desfrute da mesma liberdade. Significa aceitar o fato de que os seres humanos, que se caracterizam naturalmente pela diversidade de seu aspecto físico, de sua situação, de seu modo de expressar-se, de seus comportamentos e de seus valores, têm o direito de viver em paz e de ser tais como são. Significa também que ninguém deve impor suas opiniões a outrem.

Paulo não se achava melhor porque a jornada espiritual não é uma disputa, é uma caminhada ao lado de Jesus. Uns compreendem que o Evangelho é para todo o ser humano, outros que o Evangelho é apenas para os judeus. Quem é melhor? Ninguém. Apenas devemos saber que, como estamos em jornada, sofreremos metanóias o tempo inteiro, se nossa espiritualidade estiver viva e sadia. Esse é o convite de Jesus: ouviste o que foi falado aos antigos, eu porém vos digo... Metanóia.

Alguns princípios que tínhamos como base mudarão, justamente como fruto da dinâmica da jornada espiritual. Eles se desdobram, entram em nossa compreensão, e se tornam novos princípios. Uma fé viva é uma fé dialética.

Estamos em jornada em todas as esferas da vida, não apenas na esfera espiritual. Nossa compreensão sobre a própria vida muda, dinamicamente, conforme amadurecemos. Quando somos crianças, pensamos como crianças. Mas nossa compreensão sofre muitas expansões até nos tornamos adultos. Decidir namorar é um tipo de expansão da compreensão. Decidir casar é outro. É o amadurecimento de um princípio, a expansão de um princípio. Metanóia.

Quando alguém começa a estudar Economia, tem um tipo de compreensão sobre o assunto. Conforme vai estudando, sua compreensão vai expandindo, seu horizonte de reflexão muda, também se expande. Da mesma forma, quando alguém começa a estudar a Bíblia. O movimento de expansão do horizonte de compreensão é o mesmo do estudante de Economia. É assim porque somos assim, dinâmicos. É assim porque amadurecemos.

Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino – 1 Co. 13:11.

Paulo está sendo soberbo em sua declaração? Não. Sua declaração marca uma profunda consciência de si e do outro: a responsabilidade de sua compreensão, e o respeito por quem está começando sua jornada; a relevância que as coisas de menino tiveram para sua jornada, e a importância que terão para os que ainda são meninos.

Os reformadores tinham plena consciência da dinâmica da jornada. Eles sabiam que não era preciso uma única reforma, mas que a igreja de Jesus deveria sempre estar se reformando. Por isso o lema da Reforma era ecclesia reformata ac propter semper reformanda, isto é, “igreja reformada e por isso mesmo sempre se reformando”.

Por que sempre se reformando? Porque os tempos mudam, e junto com o tempo, as pessoas e suas compreensões. E sabemos que a mensagem de Jesus tem relevância para todas as pessoas, em todos os tempos. Por isso precisamos sempre pensar em como torná-la relevante para o nosso tempo, para as pessoas do nosso tempo.

Por exemplo, com a Revolução Industrial, o meio ambiente vem sofrendo seria degradação. Sabemos que a Revolução Industrial tinha como paradigma a compreensão de que os recursos naturais nunca findariam, por isso não importava o quanto eles eram explorados. Contudo, depois de alguns séculos de exploração, sabemos que esse paradigma estava errado. Pode ser que a Terra volte a ser como era antes da Revolução Industrial, se revitalize, mas para isso, alguns séculos serão necessários, e se não mudarmos nosso padrão de exploração e consumo, poderemos ser extintos. Corremos esse sério risco. Para se ter noção do quanto exploramos a Terra, e de como a cultura de consumo se tornou absurda, muito maior do que a Terra é capaz de suportar, segue uma estatística: se todas as pessoas do planeta consumissem no mesmo padrão dos norte-americanos, seriam necessários oito planetas Terra para suprir a demanda.

Mais uma: hoje, 1 bi de pessoas não tem acesso á água potável. Em 25 anos é previsto que 2,7 bi não tenham. Os maiores consumidores são os norte-americanos.

Esse é um problema do nosso tempo. Um problema essencialmente nosso. E a mensagem de Jesus precisa ser relevante para essa realidade, apesar de ter sido pregada há dois mil anos, quando ninguém imaginava uma Revolução Industrial e a escassez de água doce. Por isso precisamos reformar nossa compreensão da mensagem de Jesus. Já foi citado nesse artigo que não podemos pensar em salvar a humanidade sem pensar em salvar o meio ambiente. Está justificada a razão para essa compreensão.

Então o conceito de salvação para nós precisa ser expandido: precisa levar em conta nossos problemas históricos. Em outras palavras, precisamos ser salvos do padrão de consumo imprimido pelos norte-americanos, senão seremos extintos.

Estou citando esse exemplo para mostrar a dinâmica da espiritualidade cristã. A preocupação com o meio ambiente não fazia parte do horizonte de reflexão cristã pré-Revolução Industrial. Mas hoje precisa fazer. Metanóia.

Crescemos. Nossa compreensão de salvação se expandiu, se desdobrou, e agora está em pleno diálogo com o nosso tempo, com as pessoas do nosso tempo, com a história, com a economia, com a política – a cultura humana em geral.

Mas essa é uma compreensão que nem todos têm. Cabe aos que tem ajudar os que não tem a ampliar seu horizonte de reflexão sobre salvação. Esse não é um movimento de soberba, e sim um movimento de profundo respeito pela humanidade. Como ouvi no filme “A última hora”: dado o nível de consciência das pessoas, elas estão se esforçando para poupar o meio ambiente. Contudo, cabe aos que tem consciência profunda do problema imprimir uma mudança cultural de consumo para a humanidade.

O movimento de expansão da compreensão é maravilhoso. Durante muito tempo na história da humanidade se creu que a Terra era plana como uma tábua, sustentada por duas divindades sob um abismo: sheol, geena, ou hades . Durante muito tempo na história da humanidade se creu que a Terra era o centro do universo. Durante muito tempo na história da humanidade se creu que os negros eram inferiores aos brancos, pois não tinham alma. Já cremos que os arianos eram a raça superior. Já cremos que pessoas com defeitos genéticos deveriam ser mortas, pois atrapalhavam o processo de evolução humana. Já acreditamos que as nuvens do céu eram de algodão doce. Mas crescemos. Sofremos expansão da consciência. Nosso horizonte de compreensão se alargou.

Enfim, estamos em jornada. Algumas questões que já foram para nós princípios se desdobraram em novos princípios. Se reformaram. Sofreram metanóia. E por isso algumas discussões naturalmente devem passar, não por serem bobas, mas por já terem sido assimiladas e reformadas, gerando outras novas discussões, outros novos princípios, que por sua vez serão assimilados e reformados, gerando outros novos princípios e discussões. Isso nunca terminará, a não ser que alguém esgote tudo o que existe para se compreender sobre Deus-Jesus e seu Reino.

Isso não torna irrelevante e dispensável os princípios que tínhamos no começo de nossa jornada, pelo contrário, confere a eles valor justamente por fazerem parte da história da nossa jornada, da nossa construção como sujeitos. Por isso devemos caminhar com todos, princípio por princípio, e cuidar para não pular etapas - como uma adolescente de dez anos grávida, conscientes da nossa responsabilidade de tornar a jornada com Jesus apaixonante para todos.

Pode ser, e é até provável, que no decorrer da jornada compreensões diferentes sobre o mesmo tema sejam construídas. Ótimo. Isso marca a pluralidade do pensamento humano, a riqueza e a singularidade de cada pessoa. Compreensões diferentes se somam, não se subtraem, porque ninguém é dono da verdade. Intérprete só.

Lucas Lujan
Igreja Betesda São Paulo

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sobre Ferrolhos

Dentre os muitos ensinamentos contidos nos Provérbios de Salomão, existe um que me chama a atenção por falar nos ferrolhos.

“O irmão ofendido é mais difícil de conquistar do que uma cidade forte; e as contendas são como ferrolhos dum palácio” (Pv 18.19).

Quando assisti o filme “O Senhor dos Anéis: As duas Torres”, lembrei-me imediatamente do provérbio acima. As cidades, que também eram fortalezas, só eram tomadas à força. A energia e o grande número de guerreiros mobilizados nas incursões era algo absurdamente descomunal. Agora, imagine eu ou você tendo que empregar tamanha força para reconquistar um irmão ou um amigo ofendido…!

Diz uma linda lenda árabe que dois amigos viajavam pelo deserto e em um determinado ponto da viagem discutiram. O outro, ofendido, sem nada a dizer, escreveu na areia: hoje, meu melhor amigo me bateu no rosto. Seguiram e chegaram a um oásis onde resolveram banhar-se. O que havia sido esbofeteado começou a afogar-se sendo salvo pelo amigo. Ao recuperar-se pegou um estilete e escreveu numa pedra: hoje, meu melhor amigo salvou-me a vida. Intrigado, o amigo perguntou: Por que depois que te bati, você escreveu na areia e agora escreveu na pedra? Sorrindo, o outro amigo respondeu: Quando um grande amigo nos ofende, deveremos escrever na areia onde o vento do esquecimento e do perdão se encarregam de apagar; porém quando nos faz algo grandioso, deveremos gravar na pedra da memória do coração, onde vento nenhum do mundo poderá apagar!

É… Essa lenda anotei na minha agenda alguns dias depois que um amigo me disse que eu era um peso na vida dele. Mas nem sempre os irmãos ofendidos estão dispostos a abrirem os ferrolhos de seus palácios. E o que fazer nesses trechos da estrada? Deixar-se levar pela lógica de que “a vida sempre foi um perde-ganha, quem não bate apanha; e isso é natural”? Ou fazer como aquele pai , que esperava o filho que se foi levando parte dos bens da família, e ao avistá-lo ainda quando estava longe, se moveu de íntima compaixão, correu ao seu encontro e o abraçou e o beijou?

Abração a todos!

Wendel Cavalcante
Igreja Betesda - São Paulo